Lovecraft passou mais longe ainda.

Quando fiquei sabendo que estavam fazendo uma série chamada Lovecraft Country, baseada no livro homônimo, do qual eu nunca tinha ouvido falar, fui lá e li o livro. Só porque tinha Lovecraft no título.

De Lovecraft no Livro, muito pouco. Curtos episódios que remetem ao horror cósmico e só. A expressão “Lovecraft Country” tem um significado bem específico e único.

Logo no início, Atticus está vindo da Flórida para Chicago, por causa de uma carta que recebeu de seu pai. Ao sair do Kentucky ele se diz fora da região mais racista dos EUA. Entretanto, mais adiante, vai se encontrar com o Tio George, que, sabendo que ele quer procurar o pai em uma cidade de Massachussets, alerta que ali é o território Lovecraft (Lovecraft Country) e mostra um poema do autor “Sobre a criação dos negros”, notada e nojentamente racista. A expressão “Lovecraft Country” é isso: uma região que se acredita não ser racista, mas que tem muita gente que pensa como seu conterrêneo, H. P. Lovecraft. O tema central do livro é o racismo, não o horror cósmico Lovecraftiano. É um horror de outro tipo, infelizmente, muito mais concreto e palpável. No fim das contas, o livro é legal, mas não memorável.

Daí, vem a série. A cena de abertura é primorosa: em um sonho consegue caracterizar Atticus e demonstrar sua ligação profunda com a literatura “pulp’. Entratanto, logo no primeiro episódio, já vi que abriram mão de algumas coisas que eu considero relativamente relevantes e colocaram no lugar montes de gritos e correria.

Vou seguindo. Personagens modificados, alguns tão diferentes que precisam arrumar gambiarras para que a trama siga. Matam um personagem que tem papel fundamental durante toda a estória. Chirstina não existe no livro.

Um momento profundamente Lovecraftiano, quando os protagonistas precisam entrar em uma sala que não obedece as leis da física ou da geometria, toda fora de proporção sem permitir adotar uma referência e onde a gravidade parece ter vontade própria, patrulhada por uma entidade explicitamente não natural, virou um arremedo de “Uma Noite no Museu” cruzado com “A Lenda do Tesouro Perdido”. Muita correria e gritaria, nenhum horror cósmico.

Segue a série. Tudo diferente na casa da Letitia: o romance dela com atticus, o contato com a entidade que vive na casa, os invasores e seu destino, enfim, tudo cada vez mais distante do que acontece no Livro. A transformção da Ruby perde muito com as escolhas aplicadas (Ruby / Ruiva?).

Um episódio inteiro que não tem absolutamente nenhuma ligação com o livro, mostrando o que aconteceu com Atticus na Coréia: além de, até agora, não ter se ligado à trama, reduz muito o impacto que os eventos sobrenaturais que no presente Atticus tem que enfrentar, uma vez que ele já enfrentou o sobrenatural no passado. E que coincidência do caramba o cara se envolver de novo, do outro lado do mundo, com coisas do outro mundo.

Aí vem Hipolyta. O capítulo do qual ela é protogaonista é, talvez, o momento lovecraftiano mais forte do livro. Transportada para outro planeta, descobre pessoas que ali foram aprisionadas e enfrentam um dia a dia que desafia a sanidade e a vida. No livro. Na série, Hipolyta também é transportada, mas para um mundo que parece saído da mente de um Coach ou das páginas de um livro de auto ajuda. Ali, por várias afirmações ela se transforma e se descobre. Bom para quem gosta. Nada a ver com a estória. Nada a ver com Lovecraft. Atticus aparecer do nada, vindo de St.Louis, a 770km de distância, não ajuda.

Fico meio assim de escrever sobre uma série antes do fim. Sei lá o que pode acontecer. podem consertar tudo quando acabar. Mas achei, até agora, tudo muito sem rumo. Li uma entrevista da criadora da série, Misha Green, em que ela dizia que o livro era só o ponto de partida para algo mais profundo (uma pitadinha de arrogância?). O que vi até agora parece mais um balaio de gatos.

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